Como o riso elegeu Jair M. Bolsonaro e Donald Trump pelo absurdo: palhaços?

Amanda Annunziata
13 min readOct 16, 2020

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Donald Trump e Bolsonaro de palhaços postado por usuário do twitter de Oregon, EUA com o título “Happy Halloween!”. Disponível em: https://twitter.com/Wintersparv/status/1057620111077531648

Recentemente, no primeiro debate às eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2020 o candidato Biden chamou Donald Trump de “palhaço” e “mentiroso”. Depois em uma entrevista a NBC News de Miami, Flórida, Biden lamentou tê-lo chamado dessa forma e disse :“I should have said, this is a clownish undertaking, instead of calling him a clown” — “Eu deveria ter dito ‘isso é um empreendimento de palhaço’, ao invés de tê-lo chamado de palhaço.” (PAKRASI, 2020). Ainda assim, o termo “clown” — “palhaço” — em ambas as frases, ainda seguiriam a mesma ideia. E afinal, que ideia é essa? Tal termo estaria sendo utilizado para designar o que exatamente em Donald Trump?

Biden chama Donald trump de “clown” e “liar”. Disponível em: https://www.oantagonista.com/mundo/biden-chama-trump-de-palhaco

Diversos opositores de Bolsonaro recorrentemente também o chamam de Bozonaro, ou “Bozo”, simplesmente, comparando-o ao palhaço brasileiro Bozo que fazia parte de programas de televisão nos anos 80 e 90 no Brasil (e que na verdade, é um personagem de origem estadunidense, o que também auxiliou na repercussão de uso do termo internacionalmente). Bolsonaro até ganhou o apoio de um desses Bozo’s. Mas o que na ação de Bolsonaro se assemelha exatamente a um palhaço, “clown”? O que é um clown/palhaço, exatamente? Por que essas palavras estariam sendo usadas para essas figuras que governam nações?

Imagem de “Bozonaro” compartilhada por seus filhos Carlos e Eduardo no Twitter, tentando usar dessa imagem algo a favor do presidente — ainda de maneira extremamente equivocada e que não contempla os ideais do palhaço. Disponível em: https://www.metropoles.com/brasil/carlos-e-eduardo-divulgam-imagem-de-bolsonaro-como-bozo-entenda

O palhaço é visto como uma figura descredibilizada na sociedade há séculos, e esta concepção ultrapassa fronteiras. Chamar os respectivos presidentes ou qualquer pessoa de “palhaço” como um insulto geralmente tem a intenção de tirar o crédito de alguém. Isso pode ser associado à pessoa não levar a sério alguma coisa, fazendo com que também não levem a sério a pessoa. Porém, justamente por o palhaço ser automaticamente descredibilizado: “ah, não tem importância o que ele tá dizendo, é só o palhaço”, essa figura tem uma potência enorme. Os bobos da corte, por exemplo, entretinham e faziam todos rirem, inclusive o rei. E isso fazia até mesmo com que ele pudesse fazer piadas do rei, críticas, e tinha que ser muito meticuloso e estratégico para isso (ainda que mostre certa audácia, o bobo ainda pode ser extremamente medroso, demonstrando ou não isso). O bobo da corte até mesmo poderia ser chamado à mesa dos aristocratas por conta de sua presença divertida, mas no fundo muitos deles (inclusive o rei) poderiam pensar e refletir mais tarde alguns apontamentos transpassados de brincadeira e piada feitos pelo bobo.

Do bobo da corte surgem outras duas importantes figuras, o palhaço — “clown” — e o curinga — “joker”. O Joker e o Clown (Curinga e o Palhaço) têm muitas semelhanças, principalmente por serem figuras excêntricas que subvertem o espaço. A principal diferença é que o Joker pode aparecer como uma figura brincalhona, mas é um subversivo misterioso. Sua única e principal função é “brincar”, desfazer ou provocar o sentido vigente das coisas — o que pode gerar riso, mas não necessariamente é sua função principal. É a carta do baralho que vai subverter o jogo, vai “tirar sarro” com o jogo, vai mexê-lo, revirá-lo. Muitas pessoas não gostam de jogar com a carta curinga, porque muitas vezes ela pode desconstruir completamente as regras, mudar totalmente o sentido das coisas.

Carta vintage Joker. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/335729347224609188/?nic_v2=1a5Te0R4w

Já o palhaço tem como principal função o fazer rir, ainda que nesse papel também venha junto a subversão do espaço e indagação de regras. Os palhaços impõem um sentido diferente ou subvertem o sentido das coisas. O jogo, segundo Huizinga, encerra sentidos, e pensando assim o palhaço pode ser o próprio jogo, ou ser um agente que proponha um jogo ao seu espectador — ou simplesmente sua presença já imponha um jogo. Diferente do joker que tem uma aparição mais misteriosa, o palhaço traz uma intensidade de emoções e sinceridade autênticas, há uma potencialização das emoções no palhaço. E diferentemente da frase contraditória de Biden, dificilmente palhaços mentem, e, se o fazem, acabam revelando a verdade no final — e muitas vezes “se dando mal”, se estrepando com isso. Por isso, seria um tanto incoerente chamar Trump de “palhaço” juntamente commentiroso”. Porém, às vezes o presidente estadunidense faz justamente isso, faz uma brincadeira ou fala absurda e depois revela a verdade no final. Porém, algumas falas absurdas até agora não tiveram verdades reveladas… Na verdade, o que esses presidentes entenderam bem foi a multiplicidade das mídias, a ausência de uma fonte única, a era da pós-verdade que estamos vivendo.

Curiosamente, o personagem Coringa da DC Comics é um palhaço, ou foi no começo de sua carreira. Ele é um personagem extremamente complexo não só por seus diversos transtornos, mas porque ele é palhaço e curinga ao mesmo tempo. É um personagem de potência gigantesca. No último filme com o ator Joaquin Phoenix isso fica mais do que evidente. Porém, é muito importante separar o louco do palhaço. O palhaço não é louco. Nesta imagem abaixo, por exemplo, vemos a figura do ‘Bozonaro’ com uma camisa de força, como um “louco”.

“Bozonaro” com camisa de força. Disponível em: https://uk.movies.yahoo.com/brazilians-hold-general-strike-amid-060123799.html

Essa imagem pode evidenciar algumas problemáticas. O clown pode até ser em si mesmo um absurdo, mas ele não tem intenção de causar catástrofes. Ele só quer fazer o seu público rir, e muitas vezes faz isso com sua inteligente atenção ao espaço e o subverte. A figura do palhaço em si já pode ser um absurdo, mas não é o absurdo da catástrofe. O absurdo da catástrofe é a guilhotina, a destruição da natureza (paradoxo por também sermos natureza), esses são absurdos de catástrofe. Infelizmente, a patologia da loucura ou outras podem levar a catástrofes absurdas, mas há também como o absurdo da catástrofe ser realizado por pessoas que seguem completamente as regras e leis, como é mostrado na banalidade do mal por Hannah Arendt pelo perfil de Eichmann. O palhaço não é uma figura que subverte a ponto de causar catástrofes, e sim simplesmente causar riso — ainda que isso possa ser arriscado, ou no mínimo ser fonte de reflexões profundas e complexas.

Cena final do filme do Coringa: onde estiver, o palhaço e o curinga subverterão os espaços em que estejam inseridos — as pegadas em vermelho revelam sua marca subversiva pelo espaço. Ele está no manicômio porque sofre de diversos transtornos sérios, mas é importante que essa imagem de louco não ultrapasse as fronteiras do significado do palhaço. Disponível em: https://ubvia.com/the-storytelling-function-of-the-social-worker-in-the-joker/

O palhaço é uma figura que toma ações fora dos padrões, mas estar fora dos padrões não é necessariamente a loucura. Loucura é uma patologia bem séria. Temos tendência a chamar coisas fantásticas e fora do padrão de loucura. Não é uma loucura uma contorcionista no meio e uma avenida? Isso é um absurdo — e absurdo aqui não é necessariamente como falamos quando estamos indignados com algo. O absurdo é ausência de sentido, é algo que indaga aquilo que é pensado previamente como utilidade, algo que nos faz repensar noções de sentido da humanidade simplesmente por sua existência. O absurdo é algo evidentemente condizente com diversas figuras do entretenimento circense, e o palhaço é uma delas. Pessoas com pernas de pau, tecido, lira, todas essas manifestações do espetáculo circense vêm da ideia do entretenimento pelo absurdo. E o palhaço, ainda que tenha construções diferentes no teatro, também faz parte da arte circense.

Trump e Bolsonaro até se encaixam em algumas poucas características de curinga, porém o problema é que assim que desconstruída as regras do jogo, o que pôr no lugar? Esses dois presidentes podem ter ações perigosas com essa carta nas mãos, mas ainda assim Trump e Bolsonaro não se configuram completamente como curingas porque não são uma figura misteriosa. Eles são extremamente claros com suas ações e falas, e subvertem com suas excentricidades sinceras, não pela brincadeira com as regras do jogo simplesmente. Eles até lembram, de vez em quando, um pouco das atitudes de um Clown Branco.

O Clown Branco normalmente é mais sério, pomposo, de roupas mais ‘elegantes’ — ainda que fora do contexto –, impositivo, e remonta mais a uma figura aristocrata, toma mais o controle das situações, se impõe mais. Já o Clown Augusto é mais atrapalhado, pícaro, deselegante, questiona a autoridade, pode representar mais a liberdade pela anarquia e o universo infantil, não tem propriedade alguma e nem faz questão de ter, e muitas vezes é aquele que podem querem bater, que apanha mais. No Brasil o mais popular é o Clown Augusto, talvez por uma identificação nacional em massa de “apanharmos” tanto. Há diversos personagens que podem ser pensados como Clown Branco e Augusto e muitas vezes, aliás, não são declaradamente palhaços, como nas duplas Gordo e o Magro, Pinky e Cérebro, Dom Quixote e Sancho Pança… De qualquer forma, é importante ressaltar que as características de cada clown, apesar de apresentarem predominâncias (que formam o arquétipo), estas podem se alternar entre as duplas e trios dependendo das situações, um sendo mais Augusto em determinados momentos, outro mais Branco, e tem até uma terceira classificação, o Clown Excêntrico — como visto nos três patetas; entre outros tipos de clowns. Mas sempre estão em duplas, trios. Portanto também não se encaixa falar que Bolsonaro e Trump têm comportamentos de Clown Branco — se fossem, quem seria o Augusto deles? Ou seriam um do outro? Independentemente do tipo de palhaço, é importante notar que não necessariamente essa figura somente estará no espaço para lhe fazer gracinhas, para se sentir à vontade. Muitas vezes o palhaço pode incomodar, tornar o ambiente minimamente desconfortável. Ele pode sugerir os famosos risos por vergonha alheia. Ele tem uma potência para ir a qualquer lugar e fazer o que quiser causar naquele ambiente.

Com certeza muitos palhaços estudados puderam se sentir um tanto ofendidos com o uso dessa nomenclatura aos citados presidentes — ou outros já estejam acostumados com o uso da palavra para “descredibilizar”, o que na verdade mais legitima a potência do palhaço. Os palhaços são inteligentes, extremamente atentos ao espaço para subvertê-lo, e muitas vezes o fazem automaticamente também na expressividade e presença corporal. Muitas pessoas podem ter medo de palhaços porque, de fato, é algo completamente inusitado. É totalmente absurdo e subversivo. A própria estética imagética da figura do palhaço já traz a ideia de seu papel central que é a subversão, como sua vestimenta fora dos padrões, por vezes coloridas, de estampas “errantes”, berrantes, sapatos grandes, cabelo colorido, penteado desconfigurado. Enfim, algo completamente não habitual, que faz com o que automaticamente já nos cause estranhamento e nos faça questionar sobre nosso habitual. A menor máscara das artes cênicas é o nariz vermelho do palhaço. Somente esse pequeno objeto já traz uma subversão à face, desconstrói e transforma as expressões.

O absurdo pode causar espanto e horror, pode causar riso e causar fascínio — e o fascínio pode se dar também nas duas outras situações — mas dificilmente um palhaço causa indiferença quando chega num espaço. As fake news, por exemplo, nada mais são do que uma evidente vontade e necessidade nossa de vermos e criarmos absurdos (além de, é claro, muitas vezes mostrar a vontade de se ganhar discussões morais e políticas através deles). O espetáculo pelo absurdo está presente na humanidade há séculos, em diferentes culturas e regiões, mas talvez estejamos precisando repensar um pouquinho que tipo de espetáculo absurdo é esse que estamos querendo ver. Uma coisa é a palhaçaria, a lira, o trapézio, o tecido, o homem de perna-de-pau, o malabarismo, o mágico… Outra coisa é o absurdo da guilhotina, que surgiu no mesmo período do circo. Que absurdo estamos procurando? Que outras maneiras podemos utilizar para suprir nossas ansiedades de ver a experiência humana na suas máximas e descontroladas capacidades? O absurdo é exatamente muitas vezes isso: até onde o ser humano é capaz de ir? Essa pergunta nada mais configura do que nossas carências de sentido em relação à nossa experiência terrena, aos nossos questionamentos existenciais sobre o que é a condição humana e o que fazemos aqui, para que estamos aqui — o que somos capazes de fazer? O que somos?

Esse absurdo pode ser levado ao entretenimento, pode nos fazer estudar anos de gênios e artistas que subverteram e mostraram fenômenos que o ser humano não fazia ideia de que era capaz de fazer. Ou também, o absurdo pode nos fazer estudar anos de atrocidades da civilização. O absurdo da genialidade ou da não-utilidade ou encerramento de sentido pelo jogo (Huizinga) podem ser instigantes: qual o sentido de um homem-de-perna de pau? Qual a utilidade de uma contorcionista no meio de uma avenida? É justamente essas perguntas que fazem com que o entretenimento seja simplesmente fascinante, que essas artes sejam intrigantes. Essa é a potência da arte. Não tem nenhuma aparente utilidade ou sentido. Porém, na política podemos correr sérios riscos em apostar tudo num jogo, num espetáculo do absurdo, e espetáculo esse que pode levar a atrocidades. Deixar o clown nos entreter e conduzir nossas vidas de lei na civilização não parece a vocês nenhum pouco perigoso? Realmente vocês acham que é a melhor opção recorrer a essa forma de espetáculo?

Nesse caso, não só podemos ser a plateia que dá risos de vergonha alheia por muito incômodo, mas que também pode receber sérios danos que não se suprirão simplesmente pela manifestação do riso. O palhaço, é sim, uma figura que subverte o espaço, que é atento, inteligente, uma das figuras mais nobres do teatro e do circo, e apesar de ser uma figura que sugira o absurdo, na verdade muitas vezes é o público que quer e espera o absurdo no palhaço, é o que as pessoas querem ver — até onde ele pode ir?

Mas… e nós? Até onde podemos ir para simplesmente querer ver absurdos? Que outras maneiras temos de entender e suprir nossos vazios com relação às complexidades absurdas da existência humana? As notícias diárias com falas absurdas dos presidentes nada mais do que geram, para nós, sensação de espetadores de um espetáculo, algo que subverta as ideias e espaços vigentes. Donald Trump e Jair M. Bolsonaro são completamente absurdos. Mas por que eles estão lá? Porque é isso que no fundo, o ser humano pode desejar ver.

Tiririca é palhaço de verdade e ganhou as eleições, e ainda foi reeleito como deputado federal. Apesar do artifício do absurdo na votação — ter usado seu personagem como candidato — seu papel de palhaço continua como subversões no congresso, ainda que não necessariamente para provocar riso. Ele não está nos entretendo o tempo todo, ele está fazendo seu papel político — mas com certeza ele ter ganhado as eleições pode ter suscitado ideias de como se ganhar eleições pelo absurdo, porque muitas pessoas na época acharam sua figura de palhaço como candidato no mínimo, um absurdo.

Quando nos deparamos com o absurdo da nossa existência (um sentido de absurdo um pouco diferente anteriormente trazido aqui, o absurdo na concepção de Albert Camus), esse vazio pode se extrapolar por diversas áreas, e o espetáculo pode ser uma manifestação disso. Porém devemos ter uma atenção especial ao riso, uma manifestação tão singular da humanidade que precisa ser cada vez mais estudada — pois pode levar a absurdos como dos governos atuais. O riso pode vir de diversas formas, e também pode ser ferramenta de opressão. Normalmente quem ri pode não perceber que está rindo por medo, vergonha, simplesmente pelo absurdo, não-reação ou qualquer outra coisa que não seja alegria — precisamos nos atentar às causas e efeitos do riso em nós e em nossa sociedade. Quando rimos perante os absurdos podemos passar de uma sensação de espetáculo para uma sensação de temor.

Bolsonaro faz piada com remédio não cientificamente comprovado: “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína”. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/video-quem-e-de-direita-toma-cloroquina-quem-e-de-esquerda-toma-tubaina-diz-bolsonaro/
Após ser indagado sobre o fato do Brasil ter ultrapassado a China e ter chegado a cinco mil mortos pela COVID 19 em maio de 2020 o Presidente responde: ‘E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre’. Apoiadores se somam na risada perante a frase, enquanto gravam com seus celulares. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-mortes-por-coronavirus-no-brasil.ghtml

Ainda que todo mundo tenha um pouco de palhaço e curinga dentro de si, no fundo Bolsonaro e Trump não são nem palhaços, nem curingas. Eles são apenas a extrema absurdez, que nada constrói. Os clowns/palhaços, jokers/curingas e bobos da corte são figuras excepcionais, brilhantes, que não têm nenhuma comparação com o que as figuras que estão na presidência vêm a ser. A subversão da catástrofe é a que queremos ver? O absurdo das aberrações? O grotesco? Precisamos nos atentar a esses desejos de espetáculo. Talvez Trump e Bolsonaro sejam apenas projeções das pessoas como se eles fossem realmente legitimar suas ideias e provocar subversões ao sistema (assim como os bobos da corte, que muitas vezes representavam a massa em oposição à aristocracia — mas no caso não seria exatamente essa representação, dado em conta valores conservadores desses governantes, mas que ainda sim legitimaram os desejos de algumas pessoas), e até fizeram falas absurdas que puderam flertar com essa ideia e que talvez tenham provocado riso. Figuras que eram tratadas como descredibilizadas por seus posicionamentos e falas há 5, 10 anos atrás (e isso já gerou a ideia do entretenimento do absurdo, com Bolsonaro indo a programas como SuperPop por exemplo, aparecendo no CQC, etc.) ou até mais e continuaram onde estavam por que não acreditamos na potência que essas ações e falas poderiam causar. E o que mais dá potência ao palhaço prosseguir com sua audácia e domínio e subversão do espaço é, justamente, pensá-lo como uma figura descredibilizada na sociedade, como já dito anteriormente.

Queríamos nós, talvez, que realmente um clown tomasse o poder. Um clown que sabe na essência o que é ser um clown. Que subvertesse de fato — mas aí, talvez, fosse impossível continuar no poder. Ou talvez seja melhor simplesmente pararmos com essa ideia de colocarmos a política como espetáculo — ideia que é dificilmente desassociada por anos de civilização, que sempre teve essas duas coisas caminhando juntas. Aliás, muitas vezes realmente tiramos sarro da soberania e o poder, sendo esse um sentimento muito existente na figura do palhaço: o sutil ou escrachado desejo de anarquia.

Será que realmente é o clown que queremos no poder? O joker? O bobo da corte? O palhaço não tem poder, mas tem potência. O palhaço é uma figura brilhante que jamais terá sua dignidade associada a um absurdo que pode causar catástrofes. Aliás, o clown dificilmente estará no sistema vigente — ele estará aqui para nós, subvertendo o sistema, e escolhendo legitimamente ser de fato e, profundamente, palhaço –, sendo extremamente e, simplesmente, humano.

“Primeira noite de Carnaval no Rio e SP tem ‘Bozo’ presidencial e homenagem a Marielle”. Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/geral/2020/02/primeira-noite-de-carnaval-no-rio-e-sp-tem-bozo-presidencial-e-homenagem-a-marielle/
Capa da Daily News: “Clown Runs for Prez”. Disponível em: https://www.nydailynews.com/news/politics/donald-trump-entering-2016-presidential-race-article-1.2259706

REFERÊNCIAS

CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Tradução: Valerie Rumjanek. 1ª. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2017. 352 p. ISBN 978–85–7799–478–6.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução: João Paulo Monteiro. 9ª edição. ed. rev. e atual. São Paulo: Perspectiva, 2019. 292 p. Coleção Estudos. ISBN 978–85–273–1157–1.

PRAKASI, Susmita. Joe Biden regrets calling Donald Trump a ‘clown’ during debate: During the first of the three presidential debates in Cleveland last week, Biden termed Trump a “liar” and a “clown” as the two candidates fiercely clashed over a number of issues, including racism, economy and climate.. Hindustan Times, Washington, 6 out. 2020. Disponível em: https://www.hindustantimes.com/world-news/joe-biden-regrets-calling-donald-trump-a-clown-during-debate/story-BRlsXV7cnibmJ5JxEJqEzH.html. Acesso em: 13 out. 2020.

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Amanda Annunziata

Historiadora da arte que ama entretenimento, ciências da natureza, línguas, música, literatura e filosofia — e cresceu assistindo animes.